O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Federal, no dia 13 deste mês, que determine às empresas Cargill Agrícola e Brick Consultoria em Gestão que suspendam qualquer medida de implantação do projeto de construção de terminal hidroviário em Abaetetuba, nordeste do Pará. A solicitação foi motivada por indícios de que a área destinada ao porto foi obtida de forma ilícita, prática conhecida como grilagem de terras, segundo divulgado pelo MPF. Além disso, o terreno está na área do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Santo Afonso. A Justiça paraense reconheceu a competência Federal para julgamento de ação que pede a realização de consulta prévia, livre e informada a comunidades tradicionais afetadas pela construção de porto em Abaetetuba.
Outro pedido feito pelo órgão federal é para que a União, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Superintendência de Patrimônio da União (SPU) e a cidade paraense deixem de adotar qualquer ato administrativo que implique na redução da área do PAE Santo Afonso. Os entes também não devem registrar qualquer domínio, posse ou propriedade da área a particulares.
A consulta prévia, livre e informada é um direito das comunidades tradicionais de serem ouvidas e participarem das decisões que afetem seus territórios, modo de vida e direitos. Prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a consulta prevê um diálogo participativo, transparente e livre de pressões para atender a diversidade dos povos. A consulta tem, ainda, efeito vinculante no sentido de que deve ser cumprida a decisão tomada pelos entes envolvidos.
Na manifestação, o MPF reitera o pedido para ser incluído no polo ativo da ação. Inicialmente, a ação foi proposta pela organização humanitária Cáritas Brasileira com a intenção de declarar nulo o processo administrativo que concedeu a área do terminal à Cargill, uma vez que o terreno pertence ao assentamento agroextrativista.
Em outro documento, protocolado em ação que tramita na Justiça Estadual do Pará, o MPF pediu o reconhecimento de que é competência da Justiça Federal julgar processo que pede a realização de consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais afetadas pela construção do terminal. A ação foi proposta pela Defensoria Pública do Estado do Pará. Para o MPF, a competência da Justiça Federal é evidente, considerando a área de domínio da União e o impacto do empreendimento nas comunidades tradicionais.
Além das manifestações judiciais, foi encaminhada solicitação ao Núcleo de Combate à Corrupção da unidade do MPF no Pará para que seja investigado se houve possível ocorrência de atos de improbidade administrativa, crimes funcionais e de grilagem de terras por parte dos servidores públicos e particulares envolvidos na compra e tentativa de regularização da área, na alienação da área pela SPU e na desafetação da área do Projeto Agroextrativista pelo Incra.
Escritório fluvial
Em visitas realizadas a comunidades, o MPF coletou dados sobre impactos ambientais, econômicos e sociais que a implantação do projeto está gerando para a população tradicional. Os moradores relatam que já enfrentam problemas como a diminuição das áreas de extrativismo, a contaminação da água consumida diretamente dos rios e a proibição de ‘apanhar’ açaí. Mencionam também danos psicológicos, a exemplo do medo de todas as mudanças nas formas de trabalhar e buscar os alimentos.
Ainda de acordo com os moradores ribeirinhos, há as ruínas de um cemitério antigo no local em que as empresas pretendem construir. Nesse sentido, o MPF solicitou do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que se manifeste sobre a existência do cemitério na área, bem como sua importância histórica e arqueológica.
As visitas foram possíveis com o uso de um novo serviço que o MPF implementou no Pará, o escritório fluvial. Uma unidade de trabalho montada em lancha, com conexão à Internet por satélite e outros equipamentos que permitem agilidade e eficiência no deslocamento da equipe por rios. O serviço, que teve sua viagem inaugural em 19 de maio deste ano, possibilita o contato mais próximo com povos indígenas, comunidades tradicionais e população ribeirinha.
Fonte: Pará – O Liberal.com