O avanço da inteligência articial pode parecer extraordinário e assustador em muitos casos. Mas a polêmica sobre risco e ética é grande. No caso da técnica deepfake, por exemplo, manipular de forma realista o rosto de uma pessoa tem gerado vários questionamentos. Com polêmica ainda maior quando se trata de alguém que já morreu. Um recente comercial da fabricante de veículos Volkswagen usou deepfake para unir a cantora Elis Regina, falecida em 1982, ao lado de sua filha, Maria Rita. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) instaurou um processo ético para investigar campanha. Outro caso diz respeito a um vídeo da pequena Sophia Jesus OCampo relatando os detalhes da própria morte. Aos 2 anos, ela foi estuprada e morta após ser espancada, em Campo Grande, em janeiro deste ano. O padrasto e a mãe dela se tornaram réus no processo de investigação. O registro foi postado nas redes sociais pelo marido do pai da menina, Igor de Andrade.
A delegada assistente Thiciane Maia, da Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cirbernéticos da Polícia Civil do Pará, orienta os cidadãos a terem bastante cuidado no repasse de informações pessoais na internet e ainda conhecerem o mais que puderem as ferramentas tecnológicas para prevenir a ação de criminosos. A delegada observa que não se deve considerar como informações da pessoa apenas o CPF, a RG, mas os dados lançados na Grande Rede, os sites que são utilizados, os aplicativos instalados.
“Isso também são dados e devem ser protegidos. Um exemplo: os aplicativos de envelhecimento da pessoa; nesse caso, a pessoa fornece a sua foto. São informações que você fornece livremente, e nos aplicativos sempre tem a questão do consentimento de permitir, você está permitindo”.
O mau uso da tecnologia, como avalia a delegada, está relacionado ao fato de as pessoas não ter cuidado com a exposição dos seus dados, ou seja, saber qual é o limite de expor as informações. Isso porque a tecnologia veio para facilitar a vida, mas se deve ter cuidado com o manuseio de informações. “Quem vai acessar essas informações?”, pergunta a delegada.
É possível a manipulação de imagens e informações, como, por exemplo, no caso do deepfake, “e a possibilidade vai aumentar a partir da quantidade de material que a pessoa fornecer; por exemplo, com relação a minha rede social, ela está aberta ou fechada, quais são as fotos que coloco, eu coloco fotos com roupas do meu trabalho, ou fotos de lazer, fotos, e, então, temos ocorrências sobre montagem de fotos, usam fotos da pessoa para difamá-la e prática de extorsão”.
Quem for lesado mediante o mau uso de recursos tecnológicos deve, de preferência, registrar ocorrência em unidade policial.
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Prudência
Sobre esse assunto na pauta das conversas em todo o Brasil, o advogado criminalista Marco Pina orienta a população a agir com prudência diante da nova “mania” da I.A. “O autor do crime, ao divulgar o deepfake online, por exemplo, colocando o rosto da pessoa em um fato criminoso, gera indícios do crime de calúnia. Nesses parâmetros, pode haver pena de detenção por até 6 (seis) anos”.
Em virtude da pena máxima da calúnia ser 2 (dois) anos e a causa de aumento que consiste em divulgar online o deepfake pode até triplicar essa pena, conforme art. 138 c/c art. 141, parágrafo segundo, do Código Penal Brasileiro, como repassa o advogado. Marco Pina vem acompanhando os debates acerca do uso dessa tecnologia e não esconde a preocupação com a má utilização dela por parte de alguns cidadãos, ou seja, a geração de ocorrências policiais no Brasil e no mundo.
“A partir do momento que esses temas começam a ser discutidos, é porque os casos estão ocorrendo. As pessoas só passam a notar por meio do noticiamento, da discussão. O deepfake ocorre principalmente com personalidades famosas, na modalidade de injúria e difamação”, destaca Pina.
Formatos variados
A mesma simulação de imagem e vídeo pode ser feita também para escritos e para áudios, avisa Marco Pina. A tecnologia hoje em dia já consegue replicar e simular conversas de WhatsApp, imitar a voz das pessoas, por meio de aplicativos e programas de computador, como pontua o advogado.
Já podem ser conferidos deepfakes textuais, com máquinas de escrita gerada por inteligência artificial; deepfakes nas redes sociais, para a criação de perfis falsos na internet; e os deepfakes em tempo real, em que é possível mudar o rosto em transmissões ao vivo, como explica Marco Pina.
Orientações
Com o advento dessa tecnologia, muita gente passa a utilizá-la para trabalhar com imagens nas redes sociais. E, então, pergunta-se: o que pode ou não pode fazer, nesse sentido, do ponto de vista jurídico?
“O civil é livre pra fazer o que a lei não proíbe. Portanto, o limite da tecnologia é sempre os direitos individuais e coletivos previstos na Constituição. Então, é importante respeitar a imagem, a moral e a honra de terceiros”, assinala Pina.
Quem se sentir lesado em situações envolvendo a chamada I.A., pode “buscar a delegacia especializada em crimes cibernéticos, acompanhar o caso com um advogado, que vai ter esse papel de orientação, de consultoria e de atuação na área policial e eventualmente buscando indenização pela violação da imagem e da honra contra o autor do crime”.
Denúncias, de forma anônima, sobre crimes dessa natureza podem ser feitos na Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. Essa central conta com um sistema automatizado de denúncias, baseado em software livre.
Confira a tipificação de crimes contra a honra:
Calúnia – Previsto no artigo 138 do Código Penal, esse crime abrange o fato de se dizer de forma mentirosa que alguém cometeu um crime (atribuição falsa do delito). A pena é de detenção de seis meses a dois anos e multa. Quem, mesmo sabendo ser falsa a imputação, a divulga, incorre na mesma pena.
Difamação – Está previsto no artigo 139 do Código Penal e consiste em tirar a boa fama ou o crédito de uma pessoa, atribuindo um fato negativo a alguém, ou seja, desacreditá-la publicamente. A pena é de detenção de três meses a um ano e multa.
Injúria – Consiste em atribuir palavras e qualidades ofensivas a alguém; também, atingir a honra e moral da pessoa mediante a exposição de defeitos ou opinião que a desqualifique. Exemplo: xingamentos. Esse crime está previsto no artigo 140 do Código Penal, e a pena prevista é de detenção de um a seis meses ou multa.
Fonte: Pará – O Liberal.com