“E se nós testássemos nossas nanopartículas de óxido de ferro no combate a tumores?”, pensou a cientista Camila Sales Nascimento, pós-doutoranda do grupo de Imunologia Celular e Molecular da Fiocruz Minas, em 2017. Seis anos e muito trabalho depois, a resposta foi publicada no International Journal of Pharmaceutics.
Os pesquisadores do grupo, liderado por Carlos Eduardo Calzavara, verificaram que as nanopartículas são capazes de alterar a composição de tumores malignos de mama e evitar seu crescimento.
Nascimento explica que isso é possível porque até 60% da massa tumoral é composta por células de defesa chamadas macrófagos, com dois perfis distintos. Enquanto o M1 tem características que auxiliam na supressão do tumor, o M2 favorece seu crescimento e o desenvolvimento de metástase -e as nanopartículas de óxido de ferro ajudam a transformar um no outro.
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“Os macrófagos são as principais células relacionadas à reciclagem do ferro no nosso corpo e o tipo de perfil está ligado à concentração de ferro dentro deles”, diz a pesquisadora.
Se há baixa concentração, prevalece o perfil M2 ao passo que, com uma alta concentração, o M1 torna-se mais abundante. “Aumentando a concentração de ferro intracelular, promovemos uma reprogramação nos genes do macrófago e sua mudança para um perfil M1”.
Trata-se de uma aplicação bem diferente daquela de 2017, quando o grupo utilizava as nanopartículas de óxido de ferro exclusivamente para purificação de DNA, processo em que o ácido nucleico é isolado de outros componentes celulares.
Na época, Nascimento deparou-se com um artigo na Nature sobre o potencial dessas partículas para reprogramar células imunológicas e atacar tumores e questionou Calzavara se não seria interessante testar o modelo usado no laboratório, já que era diferente do mencionado na revista.
As nanopartículas empregadas na Fiocruz Minas foram desenvolvidas pela equipe do professor Celso Pinto de Melo, do departamento de Física da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Melo percebeu que elas tinham potencial para purificar DNA, como ocorre em alguns kits comerciais, e buscou o laboratório de Calzavara para testar essa capacidade.
“Quando surgiu a ideia de testar em tumores, conversamos com o professor Celso de Melo e eu fui para a UFPE. Fiquei lá nove dias produzindo as partículas de uma forma escalonada para começar os experimentos”, recorda a cientista.
O passo seguinte foi definir o tipo de tumor que seria analisado.
“Como mulher, pensei que o câncer de mama é um dos mais diagnosticados na população feminina em todo o mundo e no interesse de encontrar novas opções de tratamento que auxiliem as terapias atuais”, afirma.
O primeiro teste foi realizado in vitro, com células derivadas de tumores de mama de pacientes. Os pesquisadores colocaram as células tumorais em contato com as nanopartículas de óxido de ferro e observaram a reprogramação de macrófagos e a liberação de moléculas que induziam a morte celular.
O experimento seguinte foi realizado em camundongos. A equipe injetou células tumorais nos animais e logo depois as nanopartículas. Após 21 dias, os cientistas perceberam que a massa tumoral daqueles expostos às partículas tinha cerca de metade do tamanho da dos animais que não receberam o óxido de ferro.
Por fim, o terceiro teste foi realizado por Nascimento na Universidade do Porto. A instituição emprega técnicas diferentes, e a pesquisadora pôde avaliar a ação dos macrófagos em um modelo in vitro 3D, com três tipos de células.
“É um modelo mais real do que o 2D porque imita o microambiente tumoral”, diz a pesquisadora, que viajou com uma bolsa do Programa Institucional de Internacionalização da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
O experimento confirmou a reprogramação dos macrófagos e, agora, a técnica está sendo introduzida na Fiocruz Minas. “É uma tecnologia que hoje eu consigo reproduzir aqui no laboratório”, afirma a cientista.
Para Calzavara, o trunfo da pesquisa foi aplicar nanopartículas de baixo custo de produção e com possibilidade de escalonamento. Além disso, afirma, os resultados abrem espaço para testes com outros tipos de câncer, mas muito ainda precisa ser feito.
“Temos uma prova de conceito, e o caminho é longo e demorado”, ressalta o coordenador. O grupo precisa avaliar, por exemplo, como deve ser a aplicação, se as nanopartículas interferem em outros aspectos e se funcionam em animais com sistemas mais semelhantes aos do corpo humano.
Passar por essas etapas e posteriormente pelos testes em seres humanos vai demandar recursos, equipamentos e expertise que o grupo ainda não possui.
“O pesquisador brasileiro enfrenta dificuldade”, avalia Calzavara. “Há um ‘vale da morte' da pesquisa no país.”
Por isso, a equipe está aberta a novas parcerias com órgãos ou empresas com capacidade de realizar os ensaios. “A ciência é feita disso hoje em dia, não trabalhamos mais sozinhos”, conclui o pesquisador.
Fonte: DOL – Diário Online – Portal de NotÍcias